O país dos desportistas de bancada
Em 1997, um estudo europeu que incluiu Portugal, estimava que cerca de 70% dos portugueses com mais de 15 anos era sedentário. Salomé Marivoet publicou, em 2001, um estudo sobre “Os Hábitos Desportivos da População Portuguesa” em que “23 em cada 100 portugueses dos 15 aos 74 anos afirmaram praticar desporto ou uma actividade física”. Quatro anos depois, os resultados da edição de 2005 do Consumidor, estudo da Marktest, contabilizou “2 milhões e 216 mil indivíduos que se afirmam praticantes de desporto, um número que representa 26,7% do universo composto pelos residentes no Continente com 15 e mais anos”. Em contrapartida, a edição de 2006 do Consumidor, “mais de 5 milhões de portugueses residentes no Continente dizem frequentar centros comerciais nos seus tempos de lazer”. Os números têm vindo a crescer e o interesse pela prática desportiva tem tomado um significado diferente na vida dos portugueses. Mas o que têm a ver os actuais 22% de taxa de participação desportiva dos portugueses com os 72% da Suécia? Portugal continua a ser o país dos desportistas de bancada, onde se participa mais de forma passiva do que activa, e o J – Jornalistas foi saber porquê.
O desporto espectáculo
Ana Luísa Pereira é socióloga do desporto da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto e aponta a entrada na faculdade como um dos factores que corta a actividade física nos jovens. “Percebi no meu doutoramento que a incursão num curso superior, passo a expressão, faz com que muitos jovens tenham necessidade de optar, apesar dos estudos demonstrarem que os jovens que praticam desporto de competição, organizado e regular, têm melhor rendimento do que os que não praticam”. Outro factor afastador da prática desportiva “é a transformação do desporto profissional em desporto espectáculo, de o tornar tão fortemente atractivo que eu tenho vontade de assistir”, tornando os agentes activos em agentes passivos.”É muito mais fácil estar a ver do que a fazer”, salientou a socióloga. Mas a satisfação será a mesma? “Quando pensamos nessas actividades dentro daquilo que é o lazer as pessoas sentem-se felizes, pelo menos momentaneamente. Os sucessos da minha equipa são os meus sucessos, daí a frustração dos adeptos quando Portugal perde. O lazer também significa realização mas essa sensação é ligeiramente mais forte quando diz respeito aos meus feitos”.
Mas nem tudo são espinhos. A socióloga acredita que os números de Salomé Marivoet (autora que normalmente toma como referência) “entretanto se tenham alterado, mas 20% é muito pouco, é um quadro muito triste”. Constatando que “hoje há cada vez menos apetência para as pessoas se dedicarem exclusivamente a uma modalidade” Ana Luísa Pereira considera que “há um alargamento maior relativamente à prática e vemos cada vez mais pessoas idosas a praticar actividade física. O desporto já não é visto para o jovem mas para toda a gente pela questão da saúde, pelo bem – estar e pela percepção de que, à medida que vão praticando, vão percebendo que é bom”, concluiu a investigadora do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Um exemplo, entre milhões
“Desde que era criança que nunca gostei muito de praticar desporto”. Esta frase é de Roberto Sousa mas podia ser da Maria, do Joaquim, da Laura e de milhares de portugueses que não dão importância ao papel do desporto nas suas vidas. Quando era criança chegou a fazê-lo mas foi por pouco tempo. Ao contrário da maioria dos amigos nunca gostou muito de futebol porque “tinha ‘dois pés esquerdos’ e só jogava para ‘dar lenha’”, admitiu, mas a natação cativou-o, pelo amor à água, e apesar do gosto que ainda hoje mantém, praticou-a de uma forma muito fugaz: “Foi o único desporto que cheguei a praticar com regularidade mas, como aprendi a nadar rápido, deixei de ir”. Com 34 anos, Roberto não pratica nenhum tipo de desporto com regularidade nem tem perspectivas de contrariar-se: “Penso nisso mas arranjo sempre motivos para não o fazer. No meu trabalho canso-me muito a nível psicológico, por isso, chego a casa estourado e só me apetece deitar no sofá ou na cama e não falar com ninguém”. Técnico de informática há 10 anos, Roberto pesa 150 quilos e mede 1 metro e 75. Esta estatura permite-lhe ter um índice de massa corporal de 42,85 o que significa obesidade de nível II, ou seja, mórbida. Será que as doenças que podem advir desta obesidade preocupam Roberto? “Deviam mas não estou nada preocupado com isso, talvez por nunca ter tido nada grave”. O único problema que tem sentido é na coluna mas tem consciência de que o papel do desporto mudaria “se também mudasse para um emprego mais calmo. Não é que não goste do meu trabalho mas a ausência de desporto na minha vida está em mais de 90% relacionada com o stress laboral”, justifica. Aliada à ausência da prática desportiva Roberto pratica uma alimentação desregulada, comendo “muito” nas refeições principais (almoço e jantar) e refugiando-se na comida “sempre que surge algum problema”. Dormir, explorar o computador e ver televisão são os seus principais hobbies mas não é este sedentarismo que quer transmitir a Martim, o seu filho de 20 meses. “Não desejo que seja um Cristiano Ronaldo mas gostava que praticasse uma ou duas modalidades”, concluiu, ao mesmo tempo que reforçava que “se tivesse mais tempo” também ele “gostava de praticar natação e ciclismo”. Será mesmo falta de tempo?
A obesidade
Consequência dos números que nos colocam na cauda das estatísticas que dizem respeito à prática desportiva está o resultado do estudo que revela que mais de um terço da população portuguesa tem excesso de peso e 14,5% é obesa. A seguir à Itália, Portugal lidera também na obesidade infantil e, a nível mundial, já se fala em pandemia da obesidade. “Os pais são o principal agente de socialização para a prática desportiva na infância”, considera Ana Luísa Pereira, mas a pró – actividade dos pais, que hoje se alarga aos infantários e às escolas, não é suficiente. Segundo a nutricionista Fernanda Felício as principais apostas que devemos fazer na saúde para envelhecermos com sucesso são: “Manter bons hábitos alimentares, praticar regularmente actividade física e levar um estilo de vida saudável”, ou seja, “organizar o dia – a – dia de forma a mantermos uma boa qualidade de vida”. Mas é no que diz respeito à actividade física que se criam maiores resistências. “De uma maneira geral as pessoas que procuram a consulta de nutrição não praticam actividade física de forma regular, mas mostram interesse em iniciar essa prática, sendo também incentivados a fazê-lo e, sempre que possível, sob orientação de um profissional”. Contudo, “as grandes dificuldades apresentadas geralmente passam pela falta de tempo e excesso de trabalho, assim como com o não cumprimento dos horários das refeições, por ser uma modificação na rotina”, constata diariamente a mestranda do curso de Evidência e Decisão em Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto com Projecto de Dissertação em colaboração com o Instituto Português de Oncologia do Porto.
E a doença pediátrica mais comum, a obesidade infantil? “Já é considerada a epidemia do século XXI pela Organização Mundial de Saúde. Tem aumentado anualmente e poderá atingir proporções alarmantes sem uma acção de controlo enfática. Muitas são as causas do aumento nos índices de obesidade infantil e juvenil, como a necessidade de refeições ligeiras e em locais que não as residências, o que leva à procura de fast food ou lanches rápidos que, na sua maioria, proporcionam uma queda na qualidade da alimentação e um aumento da ingestão calórica. A diminuição da actividade física em detrimento da prática de jogos electrónicos, ou programas de televisão são outras das causas mais comuns. O maior cuidado com as crianças tem que começar em casa, portanto, cabe aos responsáveis o acompanhamento permanente da qualidade de vida infantil, incluindo a promoção de hábitos saudáveis, de actividades e uma alimentação adequada às necessidades das crianças”, concluiu a nutricionista que também exerce funções no Grupo Hospor.
"Um progresso visível, sobretudo no que respeita a crianças e adolescentes, deve ser atingido, na maioria dos países, nos próximos quatro, cinco anos e deve ser possível reverter a tendência, no máximo até 2015”. Este é o principal objectivo da Carta Europeia de Combate à Obesidade adoptada por todos os Estados – membros na Conferência Ministerial organizada pela Organização Mundial de Saúde e que se realizou em Instambul, em Novembro de 2006. Para bem da humanidade, cumpra-se o que foi escrito.
Em 1997, um estudo europeu que incluiu Portugal, estimava que cerca de 70% dos portugueses com mais de 15 anos era sedentário. Salomé Marivoet publicou, em 2001, um estudo sobre “Os Hábitos Desportivos da População Portuguesa” em que “23 em cada 100 portugueses dos 15 aos 74 anos afirmaram praticar desporto ou uma actividade física”. Quatro anos depois, os resultados da edição de 2005 do Consumidor, estudo da Marktest, contabilizou “2 milhões e 216 mil indivíduos que se afirmam praticantes de desporto, um número que representa 26,7% do universo composto pelos residentes no Continente com 15 e mais anos”. Em contrapartida, a edição de 2006 do Consumidor, “mais de 5 milhões de portugueses residentes no Continente dizem frequentar centros comerciais nos seus tempos de lazer”. Os números têm vindo a crescer e o interesse pela prática desportiva tem tomado um significado diferente na vida dos portugueses. Mas o que têm a ver os actuais 22% de taxa de participação desportiva dos portugueses com os 72% da Suécia? Portugal continua a ser o país dos desportistas de bancada, onde se participa mais de forma passiva do que activa, e o J – Jornalistas foi saber porquê.
O desporto espectáculo
Ana Luísa Pereira é socióloga do desporto da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto e aponta a entrada na faculdade como um dos factores que corta a actividade física nos jovens. “Percebi no meu doutoramento que a incursão num curso superior, passo a expressão, faz com que muitos jovens tenham necessidade de optar, apesar dos estudos demonstrarem que os jovens que praticam desporto de competição, organizado e regular, têm melhor rendimento do que os que não praticam”. Outro factor afastador da prática desportiva “é a transformação do desporto profissional em desporto espectáculo, de o tornar tão fortemente atractivo que eu tenho vontade de assistir”, tornando os agentes activos em agentes passivos.”É muito mais fácil estar a ver do que a fazer”, salientou a socióloga. Mas a satisfação será a mesma? “Quando pensamos nessas actividades dentro daquilo que é o lazer as pessoas sentem-se felizes, pelo menos momentaneamente. Os sucessos da minha equipa são os meus sucessos, daí a frustração dos adeptos quando Portugal perde. O lazer também significa realização mas essa sensação é ligeiramente mais forte quando diz respeito aos meus feitos”.
Mas nem tudo são espinhos. A socióloga acredita que os números de Salomé Marivoet (autora que normalmente toma como referência) “entretanto se tenham alterado, mas 20% é muito pouco, é um quadro muito triste”. Constatando que “hoje há cada vez menos apetência para as pessoas se dedicarem exclusivamente a uma modalidade” Ana Luísa Pereira considera que “há um alargamento maior relativamente à prática e vemos cada vez mais pessoas idosas a praticar actividade física. O desporto já não é visto para o jovem mas para toda a gente pela questão da saúde, pelo bem – estar e pela percepção de que, à medida que vão praticando, vão percebendo que é bom”, concluiu a investigadora do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Um exemplo, entre milhões
“Desde que era criança que nunca gostei muito de praticar desporto”. Esta frase é de Roberto Sousa mas podia ser da Maria, do Joaquim, da Laura e de milhares de portugueses que não dão importância ao papel do desporto nas suas vidas. Quando era criança chegou a fazê-lo mas foi por pouco tempo. Ao contrário da maioria dos amigos nunca gostou muito de futebol porque “tinha ‘dois pés esquerdos’ e só jogava para ‘dar lenha’”, admitiu, mas a natação cativou-o, pelo amor à água, e apesar do gosto que ainda hoje mantém, praticou-a de uma forma muito fugaz: “Foi o único desporto que cheguei a praticar com regularidade mas, como aprendi a nadar rápido, deixei de ir”. Com 34 anos, Roberto não pratica nenhum tipo de desporto com regularidade nem tem perspectivas de contrariar-se: “Penso nisso mas arranjo sempre motivos para não o fazer. No meu trabalho canso-me muito a nível psicológico, por isso, chego a casa estourado e só me apetece deitar no sofá ou na cama e não falar com ninguém”. Técnico de informática há 10 anos, Roberto pesa 150 quilos e mede 1 metro e 75. Esta estatura permite-lhe ter um índice de massa corporal de 42,85 o que significa obesidade de nível II, ou seja, mórbida. Será que as doenças que podem advir desta obesidade preocupam Roberto? “Deviam mas não estou nada preocupado com isso, talvez por nunca ter tido nada grave”. O único problema que tem sentido é na coluna mas tem consciência de que o papel do desporto mudaria “se também mudasse para um emprego mais calmo. Não é que não goste do meu trabalho mas a ausência de desporto na minha vida está em mais de 90% relacionada com o stress laboral”, justifica. Aliada à ausência da prática desportiva Roberto pratica uma alimentação desregulada, comendo “muito” nas refeições principais (almoço e jantar) e refugiando-se na comida “sempre que surge algum problema”. Dormir, explorar o computador e ver televisão são os seus principais hobbies mas não é este sedentarismo que quer transmitir a Martim, o seu filho de 20 meses. “Não desejo que seja um Cristiano Ronaldo mas gostava que praticasse uma ou duas modalidades”, concluiu, ao mesmo tempo que reforçava que “se tivesse mais tempo” também ele “gostava de praticar natação e ciclismo”. Será mesmo falta de tempo?
A obesidade
Consequência dos números que nos colocam na cauda das estatísticas que dizem respeito à prática desportiva está o resultado do estudo que revela que mais de um terço da população portuguesa tem excesso de peso e 14,5% é obesa. A seguir à Itália, Portugal lidera também na obesidade infantil e, a nível mundial, já se fala em pandemia da obesidade. “Os pais são o principal agente de socialização para a prática desportiva na infância”, considera Ana Luísa Pereira, mas a pró – actividade dos pais, que hoje se alarga aos infantários e às escolas, não é suficiente. Segundo a nutricionista Fernanda Felício as principais apostas que devemos fazer na saúde para envelhecermos com sucesso são: “Manter bons hábitos alimentares, praticar regularmente actividade física e levar um estilo de vida saudável”, ou seja, “organizar o dia – a – dia de forma a mantermos uma boa qualidade de vida”. Mas é no que diz respeito à actividade física que se criam maiores resistências. “De uma maneira geral as pessoas que procuram a consulta de nutrição não praticam actividade física de forma regular, mas mostram interesse em iniciar essa prática, sendo também incentivados a fazê-lo e, sempre que possível, sob orientação de um profissional”. Contudo, “as grandes dificuldades apresentadas geralmente passam pela falta de tempo e excesso de trabalho, assim como com o não cumprimento dos horários das refeições, por ser uma modificação na rotina”, constata diariamente a mestranda do curso de Evidência e Decisão em Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto com Projecto de Dissertação em colaboração com o Instituto Português de Oncologia do Porto.
E a doença pediátrica mais comum, a obesidade infantil? “Já é considerada a epidemia do século XXI pela Organização Mundial de Saúde. Tem aumentado anualmente e poderá atingir proporções alarmantes sem uma acção de controlo enfática. Muitas são as causas do aumento nos índices de obesidade infantil e juvenil, como a necessidade de refeições ligeiras e em locais que não as residências, o que leva à procura de fast food ou lanches rápidos que, na sua maioria, proporcionam uma queda na qualidade da alimentação e um aumento da ingestão calórica. A diminuição da actividade física em detrimento da prática de jogos electrónicos, ou programas de televisão são outras das causas mais comuns. O maior cuidado com as crianças tem que começar em casa, portanto, cabe aos responsáveis o acompanhamento permanente da qualidade de vida infantil, incluindo a promoção de hábitos saudáveis, de actividades e uma alimentação adequada às necessidades das crianças”, concluiu a nutricionista que também exerce funções no Grupo Hospor.
"Um progresso visível, sobretudo no que respeita a crianças e adolescentes, deve ser atingido, na maioria dos países, nos próximos quatro, cinco anos e deve ser possível reverter a tendência, no máximo até 2015”. Este é o principal objectivo da Carta Europeia de Combate à Obesidade adoptada por todos os Estados – membros na Conferência Ministerial organizada pela Organização Mundial de Saúde e que se realizou em Instambul, em Novembro de 2006. Para bem da humanidade, cumpra-se o que foi escrito.
Tânia Pinheiro Lino
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