sábado, 25 de abril de 2009

Mudam-se os tempos mudem-se as universidades

Maria (nome fictício), 23 anos, natural de Aveiro. Tirou o curso de Comunicação Social com média de 17 e convenceu-se que era o suficiente para entrar pela porta grande numa qualquer redacção de uma televisão, de um jornal ou de uma estação de rádio. Mas, após as primeiras semanas a estagiar num jornal regional, depois de ter entrado na realidade e percebido que não lhe tinham ensinado a separar o discurso directo do discurso indirecto num texto jornalístico, rapidamente percebeu que o curso não a formou “para a realidade do mercado de trabalho”.
João, natural de Viseu, tirou o curso de Engenharia do Ambiente numa universidade do Porto que prefere não identificar. Com média de 19 e incentivado pela universidade seguiu para a Hungria onde tirou o mestrado. Dois anos depois regressou a Portugal e achava que estava tudo feito para ter sucesso no mercado de trabalho. “Atravessei o deserto, dei aulas no secundário e na ensino superior, fiz formação profissional, estive desempregado…”, conta. Um dia percebeu que a universidade não lhe abriu caminhos nem lhe deu pistas sobre como era a vida lá fora e tinha ele próprio que fazer alguma coisa.
“Depois de ter participado numa conferência sobre empreendedorismo e inovação nas empresas, percebi que o diploma de curso de pouco valia se não me mexesse e mesmo o mestrado, – embora esse já me orientasse de uma outra forma, hoje reconheço que os mestrados em Portugal eram ainda mais académicos –. Foi quando, juntamente com outra colega, decidimos abrir a nossa própria empresa”, revela. Viram-se obrigados a fazer formação na Alemanha e em Espanha, para se adaptarem ao mercado europeu, uma vez que a empresa que estavam a montar os “obrigava” a entrar no mercado de vendas de uma cadeia de países europeus.
Hoje, empresários, académicos, dirigentes universitários e alunos têm pressionado sobre a necessidade de reanalisar o papel do ensino universitário português na criação de projectos empresariais, reconhecendo-se a relação nem sempre fácil entre o ensino universitário e o sucesso empresarial.

Que soluções?
Desde 1991 que se discute o futuro do ensino superior em Portugal (universidades e instituto politécnicos), quando o Governo de Cavaco Silva resolveu avançar com a Lei das Propinas. A luta estudantil conseguiu adiar a decisão, mas a sua aplicação era inevitável. Em 2007, enquanto a Universidade Independente fechava as portas discutia-se o financiamento das universidades e, um ano depois o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas pediu o reforço de 100 milhões de euros, altura em que também a Internacional (Lisboa e Porto), a Moderna e o Instituto Superior de Administração, Comunicação e Empresas da Guarda encerravam por falta de viabilidade económica.
Em vésperas de protestos anunciados, a solução apontada por alguns dirigentes para acabar com as queixas de falta de verbas das instituições, é fechar ou redimensionar algumas universidades. E “saber redimensionar”, avançam outros analistas, é criar uma nova relação empresa/universidade. Fernando Sebastião, presidente do Instituto Politécnico de Viseu, admite que, muitas vezes, a circunstâncias da criação dos cursos foi mais por aquilo que havia para poder oferecer e não tanto com a preocupação se correspondia efectivamente às necessidades”. Consciente das dificuldades que se avizinham, face à diminuição do número de alunos e à nova realidade do mercado de trabalho, Fernando Sebastião admite abrir novos canais de formação: “nós temos um conjunto de cursos em funcionamento, recentemente testados pelo processo de Bolonha, que são cursos relevantes e que têm que continuar a funcionar. Podemos depois pensar em formações ao longo da vida, em pós graduações, em formação profissional, sendo uma necessidade efectiva por parte, por exemplo, das empresas da região. O que pretendemos é ajustar a oferta à procura”.
É neste cenário da necessidade de formação ao longo da vida profissional que o grupo de comunicação social Sojormedia resolve “partir o gelo” e propor à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra a criação de uma Pós-graduação em Imprensa Regional. Inovadora a pós-graduação numa área que carece de formação, e inovador o facto de uma das universidades mais tradicionais do país se abrir a uma nova realidade, aceitando, pela primeira vez, realizar uma acção conjunta com o sector empresarial.
“Sentimos resistências ao mercado empresarial, mas consideramos que são dificuldades próprias de qualquer projecto inovador”, esclarece Francisco Santos, administrador da Lena Comunicação (Sojormedia). O responsável contrapõe que “também há ventos que sopram com novas mentalidades”, destacando que “os dirigentes da Universidade de Coimbra e da Faculdade de Letras estão entre os primeiros que tentam e lutam para que exista uma nova ordem”.
Há ano e meio, em Viseu, foi lançada a Escola de Estudos Avançados das Beiras (EAB), em resultado de uma parceria entre a Universidade Católica, o Instituto Politécnico de Viseu e a Associação Empresarial da Região de Viseu (AIRV). A razão de ser da escola é servir o tecido empresarial e institucional da região com formação avançada de que a região estava carenciada. “Vamos fazendo os cursos que as empresas e as pessoas precisarem e desejarem”, reforça Arlindo Cunha, presidente da EAB, lembrando que o balanço corresponde aos objectivos traçados.
Almeida Henriques, presidente do Conselho Empresarial do Centro (CEC) dá ainda como exemplos “de sucesso” o Curso de empreendedorismo de Base Tecnológica entre o CEC e as Universidades de Aveiro, de Coimbra e da Beira Interior.
Mais ou menos sensibilizados, ensino superior e tecido empresarial entram no caminho de uma nova era, e reconhecem a urgência em definir novas directrizes. João Cotta, presidente da AIRV deixa mesmo um aviso: Sem empresas não se fixam pessoas, sem pessoas não se justificam escolas e sem escolas não se justificam professores”.
Sobre o que deve mudar para que se avance com o novo modelo, João Cotta propõe “fomentar o pensamento divergente e a inovação através da abertura ao exterior e convidar pessoas externas de outras regiões e outros países de reconhecido mérito para participarem na gestão das instituições de ensino regionais…”. E, tal como Maria e João referenciados no início da reportagem, o dirigente de Viseu admite que tem que se começar por pensar os cursos disponíveis: “Existem muitos cursos para justificarem os professores que existem. Não sei se será a maioria, mas estamos a formar muitos desempregados qualificados que nunca terão uma oportunidade de trabalho na sua área de formação. Estas pessoas deverão ser requalificadas”.
Emília Amaral

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