Liudmira Drukouskaya chegou a Portugal há praticamente oito anos
A rainha do Carnaval de Santo António dos Olivais foi, pelo segundo ano consecutivo, uma estrangeira residente na freguesia
Trazem força de trabalho e vontade. São dedicados, letrados e exigentes, mas estão quase sempre votados a actividades “menores”. País de emigrantes, Portugal é hoje também o destino de milhares de estrangeiros que vêm em busca de sustento. Sensibilizados com o drama de quem tem de recomeçar a vida do zero, portugueses há que apoiam activamente a sua integração. Exemplar a esse nível é a freguesia de Santo António dos Olivais, que, em regime de voluntariado, disponibiliza inclusivamente um curso de português para estrangeiros.
Filha de um engenheiro e de uma médica, a professora de música aguentou o mais que pôde antes de emigrar. Deixar família e amigos para trás não é uma decisão fácil de tomar, mas o custo de vida da terra natal tornou-se de tal modo incomportável que não lhe restou outra alternativa.
De sorriso doce, olhos cor de mel e feitio afável, Liudmira Drukouskaya aventurou-se, à semelhança de milhares de portugueses, à procura de uma vida melhor. Talvez por ter passado por essa mesma experiência, o país recebe, quase sempre, os imigrantes de braços e coração abertos.
Depois de uma viagem de três dias de autocarro, com o mínimo de paragens, Mangualde foi o primeiro “porto de abrigo” português para esta bielorussa de 46 anos. Já lá vão quase oito anos.
A estada naquela cidade pacata não foi, no entanto, prolongada, pese embora tenha arranjado logo trabalho como costureira numa fábrica. “Como a empresa fechava durante o mês de Agosto, tivemos de sair à procura de outro trabalho, porque não podíamos parar”, recorda Liudmira.
Sem conhecer a língua ou a cultura, Portugal foi o país de eleição para recomeçar a vida tão-só porque tinha aberto o processo de legalização. “Ficar legal no país era fundamental”, refere a imigrante, notando que não conhecia ninguém nem em Portugal nem no resto do mundo, sendo, por isso, indiferente o destino. “Sou solteira. Sabia que tinha de fazer alguma coisa. Tinha de continuar a pagar a prestação do apartamento. Tinha de ir para algum lado”, acrescenta.
A necessidade aguça o engenho, já lá diz o ditado, mas isso não impediu, como a própria confessa de “apanhar muitos sustos”. Isto foi como aterrar na Lua, conta, sublinhando que “não sabia nada de nada” sobre este povo de brandos costumes.
E como é que um imigrante arranja trabalho num país completamente desconhecido? Paga para trabalhar. É assim, relata com toda a naturalidade, confidenciando que entregou “uma soma anormal” a um compatriota. Um mal necessário, reconhece Liudmira.
O sonho de aprender a língua
Uma vez em Coimbra, Liudmira começou por trabalhar numa pastelaria, por intermédio de outra empresa, e foi nessa altura que a barreira da língua se evidenciou verdadeiramente. Aprender português, que segundo confessa sempre foi um sonho, tornou-se, então, uma prioridade. Uma obsessão até. A partir do momento em que soube que havia um curso de português para estrangeiros na Paróquia de S. José nunca mais parou o processo de aprendizagem.
Leccionado em horário pós-laboral, o curso revelou-se, no entanto, de difícil conciliação com o de funcionária de balcão, cuja jornada se estendia até às 22 horas. Ir um único dia por semana às aulas, o de folga, desagradava-lhe, por isso, arranjou outro trabalho, desta feita como empregada de limpeza.
O curso de português, assegurado por professores voluntários, o primeiro que frequentou, permitiu-lhe dominar a língua, mas a necessidade de aperfeiçoamento levou-a a outro e mais outro. Seguiu-se assim o ensino oficial para imigrantes, que dá direito a diploma e tudo. Mas não é o certificado que Liudmira procura. Ela procura tão-só a comunicação. “Agora as pessoas frequentam o curso para tirar a dupla nacionalidade, mas eu não estou interessada. Já tenho visto de residência”, refere, salientando que “o que eu quero é não parar o contacto com a língua”. “Durante o dia trabalho muito e à noite estou muito cansada para ler”, explica.
Música, a eterna paixão
O maior sonho de Liudmira é exercer a profissão que escolheu há praticamente 30 anos em Groolno. Depois de 20 anos de carreira como professora de música na Bielorússia, a paixão por esta linguagem universal continua a ser o que a faz sentir-se realizada. Por isso, e pese embora, as agruras da vida, Liudmira não abdica de dar aulas particulares de música.
Licenciada em acordeão, a bielorussa tem consciência que em Portugal não existe equivalência ao seu curso, mas, frisa, só gostava de ter uma oportunidade para demonstrar o seu verdadeiro valor.
Enquanto tal dia não chega, Liudmira divide o seu tempo por uma profissão que lhe garante o sustento e pelo voluntariado. Uma tarde por semana, a imigrante ensina música e a cultura russa a filhos de outros imigrantes do Leste. Segundo diz, “é preciso falar muitas línguas, porque nunca se sabe como vai ser o futuro”. “As crianças já falam melhor o português que os pais”, repara, admitindo que “eles já não querem falar a língua materna, porque com os amigos e no infantário só falam português”. A filha de 12 anos de uma amiga, conta, já fala russo com sotaque embora esteja em Portugal há apenas cinco anos. “Escreve e fala muito bem, mas já não é russo de um russo. É russo de estrangeiro”, observa Liudmira.
A língua como factor de integração
Filha de um engenheiro e de uma médica, a professora de música aguentou o mais que pôde antes de emigrar. Deixar família e amigos para trás não é uma decisão fácil de tomar, mas o custo de vida da terra natal tornou-se de tal modo incomportável que não lhe restou outra alternativa.
De sorriso doce, olhos cor de mel e feitio afável, Liudmira Drukouskaya aventurou-se, à semelhança de milhares de portugueses, à procura de uma vida melhor. Talvez por ter passado por essa mesma experiência, o país recebe, quase sempre, os imigrantes de braços e coração abertos.
Depois de uma viagem de três dias de autocarro, com o mínimo de paragens, Mangualde foi o primeiro “porto de abrigo” português para esta bielorussa de 46 anos. Já lá vão quase oito anos.
A estada naquela cidade pacata não foi, no entanto, prolongada, pese embora tenha arranjado logo trabalho como costureira numa fábrica. “Como a empresa fechava durante o mês de Agosto, tivemos de sair à procura de outro trabalho, porque não podíamos parar”, recorda Liudmira.
Sem conhecer a língua ou a cultura, Portugal foi o país de eleição para recomeçar a vida tão-só porque tinha aberto o processo de legalização. “Ficar legal no país era fundamental”, refere a imigrante, notando que não conhecia ninguém nem em Portugal nem no resto do mundo, sendo, por isso, indiferente o destino. “Sou solteira. Sabia que tinha de fazer alguma coisa. Tinha de continuar a pagar a prestação do apartamento. Tinha de ir para algum lado”, acrescenta.
A necessidade aguça o engenho, já lá diz o ditado, mas isso não impediu, como a própria confessa de “apanhar muitos sustos”. Isto foi como aterrar na Lua, conta, sublinhando que “não sabia nada de nada” sobre este povo de brandos costumes.
E como é que um imigrante arranja trabalho num país completamente desconhecido? Paga para trabalhar. É assim, relata com toda a naturalidade, confidenciando que entregou “uma soma anormal” a um compatriota. Um mal necessário, reconhece Liudmira.
O sonho de aprender a língua
Uma vez em Coimbra, Liudmira começou por trabalhar numa pastelaria, por intermédio de outra empresa, e foi nessa altura que a barreira da língua se evidenciou verdadeiramente. Aprender português, que segundo confessa sempre foi um sonho, tornou-se, então, uma prioridade. Uma obsessão até. A partir do momento em que soube que havia um curso de português para estrangeiros na Paróquia de S. José nunca mais parou o processo de aprendizagem.
Leccionado em horário pós-laboral, o curso revelou-se, no entanto, de difícil conciliação com o de funcionária de balcão, cuja jornada se estendia até às 22 horas. Ir um único dia por semana às aulas, o de folga, desagradava-lhe, por isso, arranjou outro trabalho, desta feita como empregada de limpeza.
O curso de português, assegurado por professores voluntários, o primeiro que frequentou, permitiu-lhe dominar a língua, mas a necessidade de aperfeiçoamento levou-a a outro e mais outro. Seguiu-se assim o ensino oficial para imigrantes, que dá direito a diploma e tudo. Mas não é o certificado que Liudmira procura. Ela procura tão-só a comunicação. “Agora as pessoas frequentam o curso para tirar a dupla nacionalidade, mas eu não estou interessada. Já tenho visto de residência”, refere, salientando que “o que eu quero é não parar o contacto com a língua”. “Durante o dia trabalho muito e à noite estou muito cansada para ler”, explica.
Música, a eterna paixão
O maior sonho de Liudmira é exercer a profissão que escolheu há praticamente 30 anos em Groolno. Depois de 20 anos de carreira como professora de música na Bielorússia, a paixão por esta linguagem universal continua a ser o que a faz sentir-se realizada. Por isso, e pese embora, as agruras da vida, Liudmira não abdica de dar aulas particulares de música.
Licenciada em acordeão, a bielorussa tem consciência que em Portugal não existe equivalência ao seu curso, mas, frisa, só gostava de ter uma oportunidade para demonstrar o seu verdadeiro valor.
Enquanto tal dia não chega, Liudmira divide o seu tempo por uma profissão que lhe garante o sustento e pelo voluntariado. Uma tarde por semana, a imigrante ensina música e a cultura russa a filhos de outros imigrantes do Leste. Segundo diz, “é preciso falar muitas línguas, porque nunca se sabe como vai ser o futuro”. “As crianças já falam melhor o português que os pais”, repara, admitindo que “eles já não querem falar a língua materna, porque com os amigos e no infantário só falam português”. A filha de 12 anos de uma amiga, conta, já fala russo com sotaque embora esteja em Portugal há apenas cinco anos. “Escreve e fala muito bem, mas já não é russo de um russo. É russo de estrangeiro”, observa Liudmira.
A língua como factor de integração
Zulmira Marques da Silva é coordenadora do curso de português para estrangeiros da Paróquia de S. José
Atenta às necessidades da comunidade, a Paróquia de S. José, na freguesia de Santo António dos Olivais, resolveu há já vários anos promover a integração dos estrangeiros pela língua. A aposta, através do voluntariado, foi ao encontro de uma necessidade premente, conta a coordenadora do curso de português para estrangeiros, sublinhando que a barreira linguística se colocava não só no dia-a-dia como condicionava, por exemplo, as aspirações ao nível da legalização.
Quatro dias por semana, duas turmas por dia, este serviço de voluntariado é assegurado por mais de uma dezena de professores que se vão revezando. “Cada professor dá um dia de aulas por semana, para não ser sobrecarregado”, adianta Zulmira Marques da Silva.
Há uma turma de iniciados e outra de avançados, mas o facto é que, nota a responsável, “às temos de desdobrar ainda mais a turma, tal é a disparidade de conhecimentos”. “Já tivemos mesmo casos de pessoas que não sabiam nem ler nem escrever na própria língua, o que torna tudo ainda mais complicado”, sublinha.
Uma boa parte, porém, continua, tem estudos superiores. “Muitos são médicos, dentistas e engenheiros”, comenta. Agora há menos imigrantes a frequentar o curso, reconhece. De mais de 20 passaram para metade. A razão, atribui, é a falta de emprego que se faz sentir, mas também os melhores salários dos países vizinhos. Os alunos, afirma, são provenientes sobretudo da Roménia, Rússia, Bielorússia, Sri Lanka, Senegal, Indonésia e Marrocos, mas, frisa, “de quase todas as nacionalidades têm passado por aqui”.
Pessoas muito agradecidas. É assim que Conceição Riachos, que fez parte do grupo inicial de professores, caracteriza os imigrantes. Afastada do curso por questões de saúde, a docente recorda, no entanto, que “o problema da discriminação continua a existir”. A língua, nota, é a primeira das barreiras e, realça, nem todos vêem necessidade em aprendê-la. Paradigmático é o caso dos chineses, cuja comunidade é, ainda, extremamente fechada. “Tive um aluno chinês que já cá estava há cinco anos e nem uma palavra em português sabia”, conta. “Há muita discriminação e [os imigrantes] continuam a estar muito isolados”, acrescenta Conceição Riachos.
“Tenho muitos amigos imigrantes e tenho feito de tudo para os ajudar. Continuo a comunicar mesmo com os que estão fora de Coimbra. Mandam postais de Natal e tudo. É muito gratificante”, conclui.
Olivais é exemplar na inclusão social
Francisco Andrade, presidente da Junta da Freguesia de Santo António dos Olivais
Santo António dos Olivais, a maior freguesia do concelho de Coimbra e uma das maiores do país, possui uma das maiores comunidades de imigrantes na região. O factor emprego é justamente uma das razões que leva muitos imigrantes a radicarem-se na freguesia. Sem precisar o número, o presidente da Junta, Francisco Andrade, reconhece que existe uma grande comunidade de imigrantes, com destaque para os do Leste.
Com vista a uma melhor integração, o autarca refere que o Executivo local tudo faz para que estes cidadãos “se sintam como se estivessem em casa”.
Exemplo desta abertura é o facto de a própria Junta de Freguesia acolher, e até incentivar, as actividades promovidas e destinadas aos imigrantes. “Temos inclusive um protocolo com os nossos ucranianos e russos de cedência da escola primária do Tovim para eles darem aulas de música”, conta, sublinhando que a associação de imigrantes reúne já cerca de 25 crianças.
Não menos significativo da integração social dos imigrantes é a sua participação em eventos da comunidade lusa, como seja o corso carnavalesco da freguesia, que este ano, e pela segunda vez consecutiva, teve uma rainha estrangeira.
Sempre que a iniciativa tenha “um carácter cultural e eu a considere séria e com pernas para andar ajudamos”, remata o autarca.
Benedita Oliveira
Atenta às necessidades da comunidade, a Paróquia de S. José, na freguesia de Santo António dos Olivais, resolveu há já vários anos promover a integração dos estrangeiros pela língua. A aposta, através do voluntariado, foi ao encontro de uma necessidade premente, conta a coordenadora do curso de português para estrangeiros, sublinhando que a barreira linguística se colocava não só no dia-a-dia como condicionava, por exemplo, as aspirações ao nível da legalização.
Quatro dias por semana, duas turmas por dia, este serviço de voluntariado é assegurado por mais de uma dezena de professores que se vão revezando. “Cada professor dá um dia de aulas por semana, para não ser sobrecarregado”, adianta Zulmira Marques da Silva.
Há uma turma de iniciados e outra de avançados, mas o facto é que, nota a responsável, “às temos de desdobrar ainda mais a turma, tal é a disparidade de conhecimentos”. “Já tivemos mesmo casos de pessoas que não sabiam nem ler nem escrever na própria língua, o que torna tudo ainda mais complicado”, sublinha.
Uma boa parte, porém, continua, tem estudos superiores. “Muitos são médicos, dentistas e engenheiros”, comenta. Agora há menos imigrantes a frequentar o curso, reconhece. De mais de 20 passaram para metade. A razão, atribui, é a falta de emprego que se faz sentir, mas também os melhores salários dos países vizinhos. Os alunos, afirma, são provenientes sobretudo da Roménia, Rússia, Bielorússia, Sri Lanka, Senegal, Indonésia e Marrocos, mas, frisa, “de quase todas as nacionalidades têm passado por aqui”.
Pessoas muito agradecidas. É assim que Conceição Riachos, que fez parte do grupo inicial de professores, caracteriza os imigrantes. Afastada do curso por questões de saúde, a docente recorda, no entanto, que “o problema da discriminação continua a existir”. A língua, nota, é a primeira das barreiras e, realça, nem todos vêem necessidade em aprendê-la. Paradigmático é o caso dos chineses, cuja comunidade é, ainda, extremamente fechada. “Tive um aluno chinês que já cá estava há cinco anos e nem uma palavra em português sabia”, conta. “Há muita discriminação e [os imigrantes] continuam a estar muito isolados”, acrescenta Conceição Riachos.
“Tenho muitos amigos imigrantes e tenho feito de tudo para os ajudar. Continuo a comunicar mesmo com os que estão fora de Coimbra. Mandam postais de Natal e tudo. É muito gratificante”, conclui.
Olivais é exemplar na inclusão social
Francisco Andrade, presidente da Junta da Freguesia de Santo António dos Olivais
Santo António dos Olivais, a maior freguesia do concelho de Coimbra e uma das maiores do país, possui uma das maiores comunidades de imigrantes na região. O factor emprego é justamente uma das razões que leva muitos imigrantes a radicarem-se na freguesia. Sem precisar o número, o presidente da Junta, Francisco Andrade, reconhece que existe uma grande comunidade de imigrantes, com destaque para os do Leste.
Com vista a uma melhor integração, o autarca refere que o Executivo local tudo faz para que estes cidadãos “se sintam como se estivessem em casa”.
Exemplo desta abertura é o facto de a própria Junta de Freguesia acolher, e até incentivar, as actividades promovidas e destinadas aos imigrantes. “Temos inclusive um protocolo com os nossos ucranianos e russos de cedência da escola primária do Tovim para eles darem aulas de música”, conta, sublinhando que a associação de imigrantes reúne já cerca de 25 crianças.
Não menos significativo da integração social dos imigrantes é a sua participação em eventos da comunidade lusa, como seja o corso carnavalesco da freguesia, que este ano, e pela segunda vez consecutiva, teve uma rainha estrangeira.
Sempre que a iniciativa tenha “um carácter cultural e eu a considere séria e com pernas para andar ajudamos”, remata o autarca.
Benedita Oliveira
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