Das Letras da Universidade de Coimbra perde-se no papel do jornais e dos livros… Ah! Também fala para a rádio e não só…
Conversámos com Daniel Abrunheiro, um conimbricense de gema adoptado por Pombal que já se refugiou por Lisboa e mais recentemente no Caramulo e em Viseu. Apaixonado pela Língua Portuguesa, da qual não se quer divorciar, diz-se “contra, totalmente contra”, o acordo ortográfico. É amante da literatura, sem a qual não passa. Vê no jornalismo uma causa para apurar a verdade de forma “higiénica e deontológica”.
Daniel Abrunheiro nasceu em Coimbra (Santa Cruz) em 1964, cidade que o viu crescer e formar, onde se licenciou na Faculdade de Letras de Universidade de Coimbra entre 1982 e 1986.
Depois de licenciado, deixou a sua cidade de Coimbra para dar aulas no ensino secundário, do qual fez vida durante dez anos. Começou em Peniche, regressou a Coimbra para dar aulas em Taveiro, estando um ano em cada escola.
Foi através do Instituto D. João V, no Louriçal, que chegou a Pombal, concelho que acabaria por o adoptar, uma vez que considera ter uma relação com Pombal “muito intensa, é a minha cidade adoptiva”.
No Louriçal, leccionou cerca de seis anos. Depois voltou ao ofício de jornalista, palmilhando o concelho de Pombal e estabelecendo uma relação de proximidade com as gentes desta terra.
Depois de ter assentado arraias durante meia dúzia de anos no Louriçal, ruma à capital do País, onde é formando do Cenjor (Centro de Formação Profissional para Jornalistas) no Curso Geral de Jornalismo, sendo depois convidado para dar formação em Língua Portuguesa e Escrita Jornalística.
Passou depois pela Antena 2, onde fez estágio e deu entrada no mundo do jornalismo a tempo inteiro.
De volta às raízes em Coimbra, passa pelas redacções dos três principais jornais regionais da cidade dos estudantes, no quinzenário Jornal de Coimbra e nos diários As Beiras e Diário de Coimbra.
Entretanto em 1998 ingressa no Grupo Sojormedia, com um regresso ao concelho de Pombal, onde integra a redacção do jornal O Eco.
Nesta altura surgiu a oportunidade de escrever o primeiro de quatro livros de sua autoria.
J.J. Foi um acaso esta entrada no mundo do jornalismo, ou uma escolha, como é que aconteceu?
D.A. – Eu era professor do ensino secundário e aos 30 anos descobri de repente que só há uma vida . Quis experimentar outra profissão, o jornalismo. Escolhi o jornalismo para estar mais próximo da escrita. O que me interessa na vida é escrever – e o jornalismo é uma profissão de escrita, foi isso que me levou a escolher esta profissão.
J.J. – Qual é o balanço da sua experiência neste mundo do jornalismo?
D.A. (Daniel Abrunheiro) – A experiência que tenho tido nesta profissão, como acontece com todos os ofícios, é de altos e baixos. Mas a base continua a ser a mesma, porque se trata de um trabalho que exige dedicação total e seriedade total, também.
J.J. – Esteve dos dois lados, na Antena 2 enquanto órgão nacional, mas bebeu a imprensa regional. Há paralelos entre uma realidade e outra?
D.A. – A base profissional é a mesma, seja qual for o âmbito do órgão de informação para o qual trabalhemos, a base profissional é a mesma, ou seja, o jornalismo regional tem de ser deontológico tal e qual o jornalismo nacional. Há diferença de dimensão, isso sim, é evidente que fazeres um noticiário para a antena 2, por ser da RDP, tem uma amplitude nacional. O jornalismo regional tem outros encantos, que me levou a optar por ele.
J.J- Que tipo de encantos são esses?
D.A.- Uma das coisas que o jornalismo regional tem, é simultaneamente um problema e uma vantagem, que é a proximidade. Qualquer jornalista regional sabe, como tu sabes, que a proximidade tem vantagens, porque uma pessoa integra-se muito mais no meio em que trabalha, mas também tem o defeito de às vezes a proximidade ser um bocado excessiva. Na minha experiência, sempre tentei fazer o equilíbrio entre a proximidade e uma certa distância que se tem de ter quando se é jornalista.
J.J – O jornalismo local e regional deve ser um jornalismo de causas?
D.A. – Todo o jornalismo deve ter como causa o apuramento da verdade, independentemente da política, do desporto, da economia, das finanças. O jornalista deve cumprir perante si mesmo, primeiro, e depois perante o seu público, a obrigação da seriedade. Tal como um restaurante é obrigado a ter higiene, também o jornalismo regional ou nacional ou internacional é obrigado a ter uma espécie de higiene deontológica. Nesse sentido, não há distinção.
J.J. – O bom jornalismo pode contribuir para o desenvolvimento e enriquecimento de uma região?
D.A. – Sem dúvida nenhuma. A comunicação social é um pilar fundamental do funcionamento da sociedade. Se for um bom jornalismo, ajuda o desenvolvimento da região, do país e do mundo. Se for um mau jornalismo, contribui para piorar as coisas.
J.J – Agora que se afastou do mundo do jornalismo, continua por dentro e atento, naturalmente. Há alguma diferença entre o jornalismo do final século XX e este jornalismo do início do século XXI?
D.A – Eu sou um bocado pessimista, porque acho que nestes últimos dez anos o jornalismo perdeu mais do que ganhou. Penso que há cada vez mais um envolvimento personalizado de jornalistas que deveriam manter-se na transparência atrás das coisas e não à frente delas. E nesse sentido o pior jornalismo que se está por aí a fazer é o televisivo, que é o que tem mais influência nas pessoas. Acho que se perdeu alguma coisa.
J.J. – E ao nível da imprensa regional?
D.A. – Conheço muito boa imprensa regional e conheço, francamente, imprensa medíocre ligada a interesses pessoais políticos… No entanto, aqui sou optimista, acho que o exemplo dos bons jornais, que ainda há bons jornais em Santarém, no Fundão… esses títulos levam-me a ter esperança de que haja uma profissionalização cada vez mais séria, mais rigorosa. No entanto, como tu dizes, eu estou atento e conheço casos em que há muitos maus órgãos de informação regional.
J.J.- A nível nacional, há dois ou três grandes grupos que controlam a imprensa aos mais variados níveis. A nível regional, começa-se a ver o crescimento de alguns grupos. Pode ser o ditar de alguma coisa, na sua opinião?
D.A. – Pode. Infelizmente, pode. Eu tenho a visão utópica de que os órgãos de informação deveriam pertencer aos jornalistas, a sociedades de jornalistas, mas a vida diz-nos que o que manda é o dinheiro e, então, a apropriação, por grandes grupos, ou por médios grupos, ou por certos sectores da economia dos órgãos de informação, tem a ver com a ambição do poder. E é um bocado o canto do cisne para o jornalismo sério e rigoroso. Por exemplo, se nós pegarmos num grande grupo que tem interesses económicos em diversas áreas da produção e do trabalho, e se esse grupo começa a comprar jornais e rádios, que não dão lucro, eu pergunto porque é que eles os querem comprar… É porque eles servem para alguma coisa. Se não, não gastavam dinheiro com isto. E isso preocupa-me, porque acho que é o fim da independência.
J.J. – Depois do percurso de jornalista, entrou no mundo dos livros. Como é que é ser escritor em Portugal?
D.A. – Pois, é uma tolice! Se formos pelo lado económico, não dá para ganhar a vida, deve haver meia dúzia de autores em Portugal que vivem exclusivamente dos livros. Eu trabalho para editoras, faço outros papéis além de autor. Faço de revisor, faço traduções, etc. É uma vida escassa e difícil. Tenho de compensar com outras actividades. De qualquer maneira, ainda não estou completamente fora do jornalismo. Nunca se diz desta água não beberei, posso voltar outra vez para a prática diária do jornalismo. Entretanto, o que me seduz mais é trabalhar para editoras e fazer novos livros, isso é verdade.
J.J.- Então mas como é que há escritores que se safam em Portugal?
D.A.- Tudo vai do marketing! Há escritores, curiosamente de televisão, de muito fraca qualidade que vendem muitos livros porque estão bem implantados no mercado.
J.J.- Por exemplo…?
D.A.- Por exemplo, um colega nosso que apresenta o telejornal, o José Rodrigues dos Santos. Tenho uma opinião sobre os livros desse nosso colega, são livros que aproveitaram a boleia do Código Da Vinci. Será coincidência que quando sai um livro chamado o Código Da Vinci, que vende milhões em todo o mundo, ele publica um livro chamado o Codex não sei quê… Código, Codex, são truquezinhos. Mas há autores sérios ainda hoje, atenção, e que se vêem à rasca para viver dos livros também. No entanto eu ainda tenho esperança, porque a esperança é mesmo a última coisa a morrer, de que um dia o meu trabalho exclusivo tenha a ver com livros, ainda não desisti, pode ser que venha a viver só dos livros.
J.J. O que é que se terá de inverter para o Daniel Abrunheiro e outros escritores poderem viver da literatura?
D.A.- Ora bem, encontrar, ou ser encontrado por uma editora séria e rigorosa que trabalhe bem no mercado editorial. As minhas experiências até agora no mundo editorial têm sido com editoras que trabalham mal. Um livro é exactamente como uma árvore, para dar laranjas tem de ter as raízes na terra e tem de ser alimentada. Eu ainda não encontrei uma editora a sério, quando encontrar, a minha esperança pode ser cumprida.
J.J- Sempre foi um sonho escrever um livro?
D.A.- Desde miúdo! Não se trata de publicar um umbigo, não faço isto para dar nas vistas, não é isso. Eu sempre tive uma necessidade de viver ao pé dos livros e um, dia já maduro, pensei que tinha chegado a altura de publicar. Quando publiquei o primeiro livro já tinha 39 anos, em 2003.
J.J.- Enquanto escritor, como é que se auto-intitula?
D.A.- Isso é uma pergunta difícil… Acho que a melhor definição e a mais justa é que sou um escritor de Língua Portuguesa, é o que eu quero ser. A língua mais bonita do mundo é a língua portuguesa e eu quero ser um escritor dessa língua.
J.J- Qual é o encanto da língua portuguesa para o Daniel?
D.A.- A sua extrema plasticidade, a sua riqueza lexical extraordinária, uma história antiquíssima, uma língua antiga, uma língua nobre que fica muito mais encantadora, curiosamente, quando é falada pelo povo. A língua portuguesa não merece atentados que lhe fazem, como isto do acordo ortográfico. Nem sequer posso ouvir falar nele. Mas a língua portuguesa popular, a língua portuguesa, tal como é falada e tal como é escrita pelos nossos maiores autores, é uma língua extraordinária . Eu não digo que as outras línguas sejam feias, mas aqui sou completamente subjectivo e não jornalista, a mais linda é a nossa língua.
J.J.- O acordo ortográfico…
D.A.- Não, nunca! A minha opinião é esta: a diversidade natural de uma língua é a sua riqueza, a unidade artificial é uma maluqueira, é o empobrecimento. O Brasil fala o português à sua maneira e nós falamo-lo à nossa. Haja duas variantes ou três ou quatro, contando com os países africanos - a variação é que é riqueza. Agora, eu não vou escrever húmido sem ‘h’não nunca. Nunca!
J.J.- O quê é mais difícil de ser, jornalista ou escritor?
D.A.- Pois, ah… se a pergunta fosse posta ao José Saramago, que também escreveu em jornais muitos anos, talvez ele dissesse que são escritas diferentes, que são mundos diferentes. E de facto são, os livros são um trabalho absolutamente solitário. O jornalismo é um trabalho de equipa. E eu sempre gostei do trabalho jornalístico porque era parte de uma redacção, era parte de uma equipa e o meu nome era muito menos importante do que a notícia. No livro, estás sozinho como quando fazes a barba ao espelho, vês-te a ti próprio e é um trabalho mais solitário. É mais duro ser escritor do que jornalista.
J.J.- O Daniel, de um isqueiro, tanto escreve um livro como faz a chamada breve…
D.A.- Vem da prática e vem de outra coisa que está lá atrás, que é muita leitura. Gosto e preciso de ler, leio bastante. E é verdade que um prato com comida dá para fazer uma reportagem, dá para fazer uma breve e dá para não fazer nada, ma tudo pode ser (d)escrito - e esse é o fascínio tanto do jornalismo como da literatura, tudo tem palavras.
J.J.- Experiência mais positiva enquanto jornalista?
D.A- A minha ligação a Pombal foi aquela que me deu mais anos do jornalismo regional e foi muito gratificante porque em Pombal trabalhei em dois jornais, fui colaborador de um outro, sou colaborador da Rádio Cardal. Todas essas experiências, cada uma à sua maneira, me trouxeram coisas muito boas. A melhor delas todas foi conhecer pessoas. Conheci muita gente, o que vale muito a pena. Também tive amargos de boca, quer dizer, fiz a via-sacra do jornalismo regional normal, mas são mais as coisas boas do que as menos boas.
J.J- Considera ser um luxo ler em Portugal?
D.A.- É um tesouro disponível e acessível: lê-se pouquíssimo, deveria ser o contrário.
J.J.- E estar informado? É um luxo ou não?
D.A.- É uma obrigação que deveria ser encarada como necessidade fundamental.
J.J.- Qual o Jornalista e Escritor que mais aprecia e porquê?
D.A.- Uma data deles. Camões. O Camões é uma riqueza.
J.J.- Qual o jornal ou quais os jornais que não passa sem ler?
D.A.- Leio tudo quanto apanho à mão. Na internet, felizmente, há acesso a todo o mundo da imprensa. Aplico algum do meu tempo diário a ler o que vai por esse mundo.
J.J.- Quais é que dispensa? Jornais com os quais passa bem sem ler, aqueles que deveriam ser proibidos e considerados como atentados…
D.A.- Não dispenso nenhum. Também se aprende muito com coisas mal feitas, mal escritas, mal pensadas e mal intencionadas.
J.J.- Qual o livro que anda a ler neste momento?
D.A.- Ando a ler as Crónicas de Londres de um gigante chamado Eça de Queiroz.
Em 2003 e com 39 anos Daniel Abrunheiro recebe um convite para publicar um livro por uma editora em Leiria. Daí para cá já publicou mais três, estando neste momento com o quinto livro, à procura da melhor editora.
1º Livro em 2003 chama-se “Cronicão” - É composto por um conjunto de crónicas que escreveu para a imprensa regional e tinha também uma peça em prosa e outra em teatro.
2º Livro em 2006 chama-se “O Preço da Chuva” – Foi baseado a partir de uma reportagem que fez para o jornal «O Eco», sobre um crime que aconteceu na zona de Pombal. Uma literatura com base em factos reais.
3º Livro em 2007 chama-se “Licor, Sabão e Sapatos” – Este tem um pouco de tudo. Tem peças em prosa, tem contos, tem crónicas e também teatro.
4º Livro em 2008 chama-se “ Terminação do Anjo” – Diferente de todos os outros que fez até aqui. É um romance do principio ao fim, é um livro só constituído por uma única peça.
5º Livro talvez ainda para este ano de 2009 já tem nome “Biologia e Necrologia da Santinha” – Retrata a fé popular nos santos. Está à espera da editora certa.
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Daniel Abrunheiro,
n. 8 de Maio de 1964 em Coimbra.
Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas – Variante de Estudos Portugueses e Franceses – pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Professor do Ensino Secundário entre 1986 e 1999
Formador do Ensino Técnico-Profissional com CAP
Curso Profissional de Jornalismo do CENJOR, Lisboa, 1995-1996
Estágio Profissional na RDP-Antena 2
Carteira Profissional de Jornalista nº 6562
Formador de Língua Portuguesa e de Escrita Jornalística do CENJOR (1996/97) em Portugal e Cabo Verde
Jornalista e cronista em:
Diário de Coimbra
Jornal de Coimbra
Diário As Beiras
Região de Leiria
O Aveiro
O Imparcial (Ourém)
O Correio (Marinha Grande)
O Eco (Pombal)
O Correio de Pombal
Notícias do Centro (Pombal)
Jornal do Centro (Viseu)
Notícias da Bairrada
O Ribatejo (Santarém)
Trevim (Lousã)
Linha do Oeste (Figueira da Foz)
Jornal de Alcochete
O Correio do Montijo
Revisor editorial e tradutor
(Castelhano, Francês e Inglês)
Bibliografia própria:
Cronicão (Publicenso, Leiria, 2003)
O Preço da Chuva (Pé de Página, Coimbra, 2006)
Licor, Sabão e Sapatos (Imagens & Letras, Leiria, 2007)
Terminação do Anjo (Portugália Editora, Lisboa, 2008)
Conversámos com Daniel Abrunheiro, um conimbricense de gema adoptado por Pombal que já se refugiou por Lisboa e mais recentemente no Caramulo e em Viseu. Apaixonado pela Língua Portuguesa, da qual não se quer divorciar, diz-se “contra, totalmente contra”, o acordo ortográfico. É amante da literatura, sem a qual não passa. Vê no jornalismo uma causa para apurar a verdade de forma “higiénica e deontológica”.
Daniel Abrunheiro nasceu em Coimbra (Santa Cruz) em 1964, cidade que o viu crescer e formar, onde se licenciou na Faculdade de Letras de Universidade de Coimbra entre 1982 e 1986.
Depois de licenciado, deixou a sua cidade de Coimbra para dar aulas no ensino secundário, do qual fez vida durante dez anos. Começou em Peniche, regressou a Coimbra para dar aulas em Taveiro, estando um ano em cada escola.
Foi através do Instituto D. João V, no Louriçal, que chegou a Pombal, concelho que acabaria por o adoptar, uma vez que considera ter uma relação com Pombal “muito intensa, é a minha cidade adoptiva”.
No Louriçal, leccionou cerca de seis anos. Depois voltou ao ofício de jornalista, palmilhando o concelho de Pombal e estabelecendo uma relação de proximidade com as gentes desta terra.
Depois de ter assentado arraias durante meia dúzia de anos no Louriçal, ruma à capital do País, onde é formando do Cenjor (Centro de Formação Profissional para Jornalistas) no Curso Geral de Jornalismo, sendo depois convidado para dar formação em Língua Portuguesa e Escrita Jornalística.
Passou depois pela Antena 2, onde fez estágio e deu entrada no mundo do jornalismo a tempo inteiro.
De volta às raízes em Coimbra, passa pelas redacções dos três principais jornais regionais da cidade dos estudantes, no quinzenário Jornal de Coimbra e nos diários As Beiras e Diário de Coimbra.
Entretanto em 1998 ingressa no Grupo Sojormedia, com um regresso ao concelho de Pombal, onde integra a redacção do jornal O Eco.
Nesta altura surgiu a oportunidade de escrever o primeiro de quatro livros de sua autoria.
J.J. Foi um acaso esta entrada no mundo do jornalismo, ou uma escolha, como é que aconteceu?
D.A. – Eu era professor do ensino secundário e aos 30 anos descobri de repente que só há uma vida . Quis experimentar outra profissão, o jornalismo. Escolhi o jornalismo para estar mais próximo da escrita. O que me interessa na vida é escrever – e o jornalismo é uma profissão de escrita, foi isso que me levou a escolher esta profissão.
J.J. – Qual é o balanço da sua experiência neste mundo do jornalismo?
D.A. (Daniel Abrunheiro) – A experiência que tenho tido nesta profissão, como acontece com todos os ofícios, é de altos e baixos. Mas a base continua a ser a mesma, porque se trata de um trabalho que exige dedicação total e seriedade total, também.
J.J. – Esteve dos dois lados, na Antena 2 enquanto órgão nacional, mas bebeu a imprensa regional. Há paralelos entre uma realidade e outra?
D.A. – A base profissional é a mesma, seja qual for o âmbito do órgão de informação para o qual trabalhemos, a base profissional é a mesma, ou seja, o jornalismo regional tem de ser deontológico tal e qual o jornalismo nacional. Há diferença de dimensão, isso sim, é evidente que fazeres um noticiário para a antena 2, por ser da RDP, tem uma amplitude nacional. O jornalismo regional tem outros encantos, que me levou a optar por ele.
J.J- Que tipo de encantos são esses?
D.A.- Uma das coisas que o jornalismo regional tem, é simultaneamente um problema e uma vantagem, que é a proximidade. Qualquer jornalista regional sabe, como tu sabes, que a proximidade tem vantagens, porque uma pessoa integra-se muito mais no meio em que trabalha, mas também tem o defeito de às vezes a proximidade ser um bocado excessiva. Na minha experiência, sempre tentei fazer o equilíbrio entre a proximidade e uma certa distância que se tem de ter quando se é jornalista.
J.J – O jornalismo local e regional deve ser um jornalismo de causas?
D.A. – Todo o jornalismo deve ter como causa o apuramento da verdade, independentemente da política, do desporto, da economia, das finanças. O jornalista deve cumprir perante si mesmo, primeiro, e depois perante o seu público, a obrigação da seriedade. Tal como um restaurante é obrigado a ter higiene, também o jornalismo regional ou nacional ou internacional é obrigado a ter uma espécie de higiene deontológica. Nesse sentido, não há distinção.
J.J. – O bom jornalismo pode contribuir para o desenvolvimento e enriquecimento de uma região?
D.A. – Sem dúvida nenhuma. A comunicação social é um pilar fundamental do funcionamento da sociedade. Se for um bom jornalismo, ajuda o desenvolvimento da região, do país e do mundo. Se for um mau jornalismo, contribui para piorar as coisas.
J.J – Agora que se afastou do mundo do jornalismo, continua por dentro e atento, naturalmente. Há alguma diferença entre o jornalismo do final século XX e este jornalismo do início do século XXI?
D.A – Eu sou um bocado pessimista, porque acho que nestes últimos dez anos o jornalismo perdeu mais do que ganhou. Penso que há cada vez mais um envolvimento personalizado de jornalistas que deveriam manter-se na transparência atrás das coisas e não à frente delas. E nesse sentido o pior jornalismo que se está por aí a fazer é o televisivo, que é o que tem mais influência nas pessoas. Acho que se perdeu alguma coisa.
J.J. – E ao nível da imprensa regional?
D.A. – Conheço muito boa imprensa regional e conheço, francamente, imprensa medíocre ligada a interesses pessoais políticos… No entanto, aqui sou optimista, acho que o exemplo dos bons jornais, que ainda há bons jornais em Santarém, no Fundão… esses títulos levam-me a ter esperança de que haja uma profissionalização cada vez mais séria, mais rigorosa. No entanto, como tu dizes, eu estou atento e conheço casos em que há muitos maus órgãos de informação regional.
J.J.- A nível nacional, há dois ou três grandes grupos que controlam a imprensa aos mais variados níveis. A nível regional, começa-se a ver o crescimento de alguns grupos. Pode ser o ditar de alguma coisa, na sua opinião?
D.A. – Pode. Infelizmente, pode. Eu tenho a visão utópica de que os órgãos de informação deveriam pertencer aos jornalistas, a sociedades de jornalistas, mas a vida diz-nos que o que manda é o dinheiro e, então, a apropriação, por grandes grupos, ou por médios grupos, ou por certos sectores da economia dos órgãos de informação, tem a ver com a ambição do poder. E é um bocado o canto do cisne para o jornalismo sério e rigoroso. Por exemplo, se nós pegarmos num grande grupo que tem interesses económicos em diversas áreas da produção e do trabalho, e se esse grupo começa a comprar jornais e rádios, que não dão lucro, eu pergunto porque é que eles os querem comprar… É porque eles servem para alguma coisa. Se não, não gastavam dinheiro com isto. E isso preocupa-me, porque acho que é o fim da independência.
J.J. – Depois do percurso de jornalista, entrou no mundo dos livros. Como é que é ser escritor em Portugal?
D.A. – Pois, é uma tolice! Se formos pelo lado económico, não dá para ganhar a vida, deve haver meia dúzia de autores em Portugal que vivem exclusivamente dos livros. Eu trabalho para editoras, faço outros papéis além de autor. Faço de revisor, faço traduções, etc. É uma vida escassa e difícil. Tenho de compensar com outras actividades. De qualquer maneira, ainda não estou completamente fora do jornalismo. Nunca se diz desta água não beberei, posso voltar outra vez para a prática diária do jornalismo. Entretanto, o que me seduz mais é trabalhar para editoras e fazer novos livros, isso é verdade.
J.J.- Então mas como é que há escritores que se safam em Portugal?
D.A.- Tudo vai do marketing! Há escritores, curiosamente de televisão, de muito fraca qualidade que vendem muitos livros porque estão bem implantados no mercado.
J.J.- Por exemplo…?
D.A.- Por exemplo, um colega nosso que apresenta o telejornal, o José Rodrigues dos Santos. Tenho uma opinião sobre os livros desse nosso colega, são livros que aproveitaram a boleia do Código Da Vinci. Será coincidência que quando sai um livro chamado o Código Da Vinci, que vende milhões em todo o mundo, ele publica um livro chamado o Codex não sei quê… Código, Codex, são truquezinhos. Mas há autores sérios ainda hoje, atenção, e que se vêem à rasca para viver dos livros também. No entanto eu ainda tenho esperança, porque a esperança é mesmo a última coisa a morrer, de que um dia o meu trabalho exclusivo tenha a ver com livros, ainda não desisti, pode ser que venha a viver só dos livros.
J.J. O que é que se terá de inverter para o Daniel Abrunheiro e outros escritores poderem viver da literatura?
D.A.- Ora bem, encontrar, ou ser encontrado por uma editora séria e rigorosa que trabalhe bem no mercado editorial. As minhas experiências até agora no mundo editorial têm sido com editoras que trabalham mal. Um livro é exactamente como uma árvore, para dar laranjas tem de ter as raízes na terra e tem de ser alimentada. Eu ainda não encontrei uma editora a sério, quando encontrar, a minha esperança pode ser cumprida.
J.J- Sempre foi um sonho escrever um livro?
D.A.- Desde miúdo! Não se trata de publicar um umbigo, não faço isto para dar nas vistas, não é isso. Eu sempre tive uma necessidade de viver ao pé dos livros e um, dia já maduro, pensei que tinha chegado a altura de publicar. Quando publiquei o primeiro livro já tinha 39 anos, em 2003.
J.J.- Enquanto escritor, como é que se auto-intitula?
D.A.- Isso é uma pergunta difícil… Acho que a melhor definição e a mais justa é que sou um escritor de Língua Portuguesa, é o que eu quero ser. A língua mais bonita do mundo é a língua portuguesa e eu quero ser um escritor dessa língua.
J.J- Qual é o encanto da língua portuguesa para o Daniel?
D.A.- A sua extrema plasticidade, a sua riqueza lexical extraordinária, uma história antiquíssima, uma língua antiga, uma língua nobre que fica muito mais encantadora, curiosamente, quando é falada pelo povo. A língua portuguesa não merece atentados que lhe fazem, como isto do acordo ortográfico. Nem sequer posso ouvir falar nele. Mas a língua portuguesa popular, a língua portuguesa, tal como é falada e tal como é escrita pelos nossos maiores autores, é uma língua extraordinária . Eu não digo que as outras línguas sejam feias, mas aqui sou completamente subjectivo e não jornalista, a mais linda é a nossa língua.
J.J.- O acordo ortográfico…
D.A.- Não, nunca! A minha opinião é esta: a diversidade natural de uma língua é a sua riqueza, a unidade artificial é uma maluqueira, é o empobrecimento. O Brasil fala o português à sua maneira e nós falamo-lo à nossa. Haja duas variantes ou três ou quatro, contando com os países africanos - a variação é que é riqueza. Agora, eu não vou escrever húmido sem ‘h’não nunca. Nunca!
J.J.- O quê é mais difícil de ser, jornalista ou escritor?
D.A.- Pois, ah… se a pergunta fosse posta ao José Saramago, que também escreveu em jornais muitos anos, talvez ele dissesse que são escritas diferentes, que são mundos diferentes. E de facto são, os livros são um trabalho absolutamente solitário. O jornalismo é um trabalho de equipa. E eu sempre gostei do trabalho jornalístico porque era parte de uma redacção, era parte de uma equipa e o meu nome era muito menos importante do que a notícia. No livro, estás sozinho como quando fazes a barba ao espelho, vês-te a ti próprio e é um trabalho mais solitário. É mais duro ser escritor do que jornalista.
J.J.- O Daniel, de um isqueiro, tanto escreve um livro como faz a chamada breve…
D.A.- Vem da prática e vem de outra coisa que está lá atrás, que é muita leitura. Gosto e preciso de ler, leio bastante. E é verdade que um prato com comida dá para fazer uma reportagem, dá para fazer uma breve e dá para não fazer nada, ma tudo pode ser (d)escrito - e esse é o fascínio tanto do jornalismo como da literatura, tudo tem palavras.
J.J.- Experiência mais positiva enquanto jornalista?
D.A- A minha ligação a Pombal foi aquela que me deu mais anos do jornalismo regional e foi muito gratificante porque em Pombal trabalhei em dois jornais, fui colaborador de um outro, sou colaborador da Rádio Cardal. Todas essas experiências, cada uma à sua maneira, me trouxeram coisas muito boas. A melhor delas todas foi conhecer pessoas. Conheci muita gente, o que vale muito a pena. Também tive amargos de boca, quer dizer, fiz a via-sacra do jornalismo regional normal, mas são mais as coisas boas do que as menos boas.
J.J- Considera ser um luxo ler em Portugal?
D.A.- É um tesouro disponível e acessível: lê-se pouquíssimo, deveria ser o contrário.
J.J.- E estar informado? É um luxo ou não?
D.A.- É uma obrigação que deveria ser encarada como necessidade fundamental.
J.J.- Qual o Jornalista e Escritor que mais aprecia e porquê?
D.A.- Uma data deles. Camões. O Camões é uma riqueza.
J.J.- Qual o jornal ou quais os jornais que não passa sem ler?
D.A.- Leio tudo quanto apanho à mão. Na internet, felizmente, há acesso a todo o mundo da imprensa. Aplico algum do meu tempo diário a ler o que vai por esse mundo.
J.J.- Quais é que dispensa? Jornais com os quais passa bem sem ler, aqueles que deveriam ser proibidos e considerados como atentados…
D.A.- Não dispenso nenhum. Também se aprende muito com coisas mal feitas, mal escritas, mal pensadas e mal intencionadas.
J.J.- Qual o livro que anda a ler neste momento?
D.A.- Ando a ler as Crónicas de Londres de um gigante chamado Eça de Queiroz.
Em 2003 e com 39 anos Daniel Abrunheiro recebe um convite para publicar um livro por uma editora em Leiria. Daí para cá já publicou mais três, estando neste momento com o quinto livro, à procura da melhor editora.
1º Livro em 2003 chama-se “Cronicão” - É composto por um conjunto de crónicas que escreveu para a imprensa regional e tinha também uma peça em prosa e outra em teatro.
2º Livro em 2006 chama-se “O Preço da Chuva” – Foi baseado a partir de uma reportagem que fez para o jornal «O Eco», sobre um crime que aconteceu na zona de Pombal. Uma literatura com base em factos reais.
3º Livro em 2007 chama-se “Licor, Sabão e Sapatos” – Este tem um pouco de tudo. Tem peças em prosa, tem contos, tem crónicas e também teatro.
4º Livro em 2008 chama-se “ Terminação do Anjo” – Diferente de todos os outros que fez até aqui. É um romance do principio ao fim, é um livro só constituído por uma única peça.
5º Livro talvez ainda para este ano de 2009 já tem nome “Biologia e Necrologia da Santinha” – Retrata a fé popular nos santos. Está à espera da editora certa.
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Daniel Abrunheiro,
n. 8 de Maio de 1964 em Coimbra.
Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas – Variante de Estudos Portugueses e Franceses – pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Professor do Ensino Secundário entre 1986 e 1999
Formador do Ensino Técnico-Profissional com CAP
Curso Profissional de Jornalismo do CENJOR, Lisboa, 1995-1996
Estágio Profissional na RDP-Antena 2
Carteira Profissional de Jornalista nº 6562
Formador de Língua Portuguesa e de Escrita Jornalística do CENJOR (1996/97) em Portugal e Cabo Verde
Jornalista e cronista em:
Diário de Coimbra
Jornal de Coimbra
Diário As Beiras
Região de Leiria
O Aveiro
O Imparcial (Ourém)
O Correio (Marinha Grande)
O Eco (Pombal)
O Correio de Pombal
Notícias do Centro (Pombal)
Jornal do Centro (Viseu)
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O Correio do Montijo
Revisor editorial e tradutor
(Castelhano, Francês e Inglês)
Bibliografia própria:
Cronicão (Publicenso, Leiria, 2003)
O Preço da Chuva (Pé de Página, Coimbra, 2006)
Licor, Sabão e Sapatos (Imagens & Letras, Leiria, 2007)
Terminação do Anjo (Portugália Editora, Lisboa, 2008)
Mário Freire
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